Os instrumentos de tortura foram largamente utilizados pela Inquisição, e sua existência é hoje fato histórico notável e indiscutível. Estes instrumentos passaram a existir desde a publicação da famosa bula Ad extirpanda (1252), em meados do século XIII, e foram ganhando com o tempo cada vez mais sofisticação. Primeiramente, a vítima era conduzida a um sótão onde ocorriam as torturas, a fim de que não se ouvissem os gritos terríveis e clamores extremos lá de fora[1]. Então a tortura começava.

Eymerich diz que “se depois de ter sido convenientemente torturado, não confessar, vão lhe mostrar os instrumentos de um outro tipo de tortura, dizendo-lhe que vai passar por todos eles, se não confessar”[2] – o que indica que os instrumentos de tortura eram muitos já na época de Eymerich (séc. XIV), e só iriam aumentar nos séculos seguintes. A Inquisição espanhola recorria a cinco tipos principais de tormento, como explica Francisco Peña:

Na nossa perspectiva, existem cinco tipos de torturas, constituindo-se em cinco graus diferentes. Não vou descrevê-los porque são conhecidos por todo mundo e porque toda a descrição minuciosa se encontra nas obras de Paul Grilland (Traité la torture, q. 4, n. 11), Jules Clair (Pratique criminelle, sub fin., q. 64) e ainda outros. A lei não diz que tipo de tortura deve-se aplicar. Portanto, a escolha é deixada ao arbítrio do juiz, que escolherá umas ou outras, de acordo com a posição social do réu, o tipo de indícios, e outras coisas mais.[3]

Note ainda o preconceito social da Igreja expresso no fato de que a tortura variava dependendo da «posição social do réu», isto é, os mais pobres sofriam torturas mais pesadas pelo simples fato de serem mais pobres. Peña não vê necessidade em descrever os métodos de tortura porque todo mundo já sabia (pelo menos todos os inquisidores, para os quais ele escrevia), mas indica as obras onde eles eram descritos. O editor do manual informa que consistia em cinco graus: “pau, cordas, cavalete, polé, brasas. Bem depois, a tortura da água, dos borzeguins... e é dar asas à imaginação”[4].

Uma delas Peña faz questão de fazer menção: a tortura das cordas. Ele diz que “atualmente a tortura através de cordas é aplicada, com muita frequência, em toda parte, não sendo preciso abandoná-la”[5]. Nataniel Jomtob, em seu trabalho “A Inquisição sem Máscara”, explica como este tipo de tortura funcionava:

Para o suplício da garrucha, ou roldana, pendurava-se no teto justamente uma roldana, passando por ela uma corda grossa de cânhamo ou esparto. Tomavam do réu e deixando-o em trajes menores, punham-lhe grilhões, atavam-lhe nos tornozelos cem libras (cinquenta quilos) de ferro e, amarrando-lhe os braços às costas com cordel, prendiam-no à corda pelos pulsos. Mantendo-o nessa posição, punham-no ereto, enquanto os juízes o admoestavam secamente para que dissesse a verdade. De acordo com a gravidade do delito, davam-lhe até doze arrancões, deixando-o cair de chofre, mas de tal modo que nem os pés nem os pesos tocassem o solo, para que o corpo recebesse maior sacudida.[6]

Outro tipo de tortura utilizado pela Inquisição que usava as cordas era o chamado “cavalo de estiramento”, um pedaço de madeira triangular com a ponta virada para cima. Sobre ele, Malucelli escreve:

O corpo da torturada era deitado e amarrado apertado à ponta, que lhe penetrava na carne, do pescoço aos glúteos. Então em suas mãos e pernas eram amarrados pesos cada vez mais pesados; ou cordas ligadas a uma roda que girava com a ajuda de uma manivela. Puxando as cordas, todo o corpo era esticado, e os membros, após algumas horas, soltavam-se do corpo.[7]

O outro tipo de tortura mais frequentemente usado pela Inquisição espanhola era o do cavalete, que Natanael explica como funcionava:

Na tortura do cavalete, também chamado de água e cordéis, ficando o réu despido da forma já mencionada, estendiam-no de rosto para cima sobre um cavalete ou banco de madeira, onde lhe prendiam os pés, as mãos e a cabeça, a fim de que se não pudesse mover. Em seguida, forçavam-no a beber alguns litros de água, deitando-a aos poucos por uma cinta que lhe introduziam na boca a fim de que, atingindo a água a garganta, lhe provocasse ânsias e desespero de um afogado.[8]

Toby Green também descreve este tormento:

Era comum o uso da água. O preso era colocado no cavalete, com a cabeça mais baixa do que o corpo, a garganta e a testa presas por alças de metal. Os membros eram amarrados ao cavalete com cordas que entravam na pele, enquanto outras cordas eram estiradas em volta dos membros como torniquetes. Então lhe abriam a boca à força e despejavam água garganta abaixo. Incapaz de respirar por causa da água e com o ventre terrivelmente inchado, a vítima arfava enquanto o inquisidor, pacientemente, a estimulava a dizer a “verdade”.[9]

Mas o cavalete passou por aprimoramentos para acentuar o sofrimento da vítima. Sobre isso, Green escreve:

Com o tempo, os métodos de tortura evoluíram. No começo do século XVII, o cavalete recebeu um complemento refinado, conhecido como cepo, no qual as pernas do prisioneiro pendiam por um buraco na tábua à qual estava amarrado; outra barra de madeira com as bordas afiladas era colocada sob o buraco, e as pernas eram esticadas através dessa abertura reduzida por meio de uma corda amarrada nos tornozelos e nos dedos. Cada vez que a corda dava uma volta nos tornozelos, o prisioneiro descia mais pela abertura. Cinco voltas eram consideradas uma tortura severa, mas na América Latina davam-se sete ou oito voltas, e alguns mouros foram submetidos a dez ou mais.[10]

Outro tipo de tortura utilizado amplamente pelos inquisidores e citado nos livros indicados por Peña é a polé. Sobre ela, Assis escreve:

Na polé, o prisioneiro era içado até certa altura por uma corda através de uma roldana, com as mãos amarradas para trás e um peso atado aos pés, sendo a corda solta em seguida, mas evitando que o torturado tocasse o chão, gerando o solavanco, numa ação que poderia ocorrer repetidas vezes, causando o deslocamento dos membros.[11]

Nazario afirma que a polé suspendia a vítima, com pesos nos pés, deixando-a cair bruscamente sem tocar no chão; ela no mínimo acabava com os ossos quebrados”[12]Green acrescenta que “se as respostas ‘corretas’ não fossem dadas, acrescentavam pesos a seu corpo para intensificar a dor nas articulações e agravar as queimaduras provocadas pelas cordas amarradas aos pulsos”[13].

Além destas torturas mais tradicionais, havia ainda outras que eram rotineiramente empregadas. Nataniel faz menção ao suplício do fogo, que ele descreve:

Para o suplício do fogo, punham o réu de pés nus no tronco e, untando-lhe as plantas com banha de porco, aproximavam delas um braseiro ardente. Quando se queixava demasiadamente de dor, interpunham entre os pés e o braseiro uma tábua, ordenando-lhe que confessasse. Reputava-se esta tortura a mais cruel de todas.[14]

Outro instrumento tradicional era o potro, sobre o qual Gorenstein afirma:

Foram submetidas ao potro, onde eram deitadas em uma mesa (na terminologia dos inquisidores, “lançada”) e seus membros eram amarrados com correias – que eram puxadas, esticando mãos, braços, pés e pernas – por uma volta, duas voltas, até onde achassem necessário – ou até que as rés delatassem seus parentes.[15]

Era esse o tormento favorito dos inquisidores brasileiros do Rio de Janeiro. Os prisioneiros tinham que sofrer este tipo de tortura totalmente nus, incluindo as mulheres[16]. Quem também nos conta mais sobre a tortura do potro é Assis, que escreve:

O potro tratava-se de uma espécie de mesa de madeira em que o réu era preso pelos pulsos e calcanhares, apertados cada vez com mais força de acordo com a sua insistência em não confessar as culpas, impedindo a circulação sanguínea e, em casos extremos, cortando-lhe a pele e as carnes, chegando mesmo ao esmagamento dos ossos.[17]

Nazario escreve que “o potro era uma mesa de ripas onde o paciente, depois de amarrado nas pernas e braços, tinha as carnes cortadas pela pressão das cordas arrochadas”[18]. Baigent alega que no potro “a vítima era amarrada num ecúleo com cordas apertadas, que podiam ser apertadas mais ainda pelo torturador”[19]. Lea afirma que o ecúleo era um “aparelho onde a vítima era amarrada com cordas que eram progressivamente apertadas até entrarem nos ossos”[20]. Baigent ainda faz menção a outro instrumento de tortura usado pelos inquisidores: a garrucha, também conhecida como strappado ou polia:

Nesse procedimento, amarravam-se as mãos da vítima às costas e depois a penduravam pelos pulsos numa polia no teto, com pesos amarrados nos pés. Levantavam-na muito devagar, para maximizar a dor, depois baixavam-na alguns pés, com uma brusquidão e violência que deslocavam os membros. Não surpreende que muitas vítimas ficassem permanentemente aleijadas, ou com a saúde cronicamente prejudicada. Não era raro, claro, que viesse a morte. Se vinha, julgava-se que fora incidental, mais uma infeliz concomitante ou subproduto da tortura que uma consequência direta dela.[21]

Ricardo Palma faz uma assustadora revelação sobre como eram as câmaras de tortura na Inquisição de Lima:

No centro da câmara de torturas havia uma mesa de dois metros e meio de comprimento. Num de seus extremos via-se um colar de ferro que se abria no centro para receber o pescoço da vítima, e fortes correias para prender-lhe braços e pernas, dispostas de tal modo que, estendida a pessoa sobre a mesa e feito um movimento no torno, era puxada violentamente a um só tempo em dois sentidos diferentes, deslocando-se-lhe as juntas. Havia ainda uma coluna ou pilori vertical, colocado contra a parede, com um buraco grande e dois pequenos. A vítima, pescoço e punhos presos nos buracos, isto é, com a cabeça e as mãos enterradas na parede, não podia ver o rosto dos leigos dominicanos que a açoitavam. Havia ciclícios de cordas e de ferro de vários tipos, manchados de sangue, e camisetas de crinas que usavam para cobrir as costas dos réus depois de flagelados. Havia anéis para os dedos que, aplicados numa pessoa, permitiam suspendê-la por eles à altura de sessenta a noventa centímetros do chão.[22]

A Igreja podia torturar das piores formas possíveis e acentuar ao máximo a dor e o sofrimento humano para extrair uma “confissão”, mas tinha horror a derramamento de sangue. Baigent escreve que “a maioria das formas de tortura – instrumentos preferidos como o ecúleo, o saca-unhas, o strappado e a tortura da água – evitavam o deliberado derramamento de sangue. Aparelhos desse tipo parece terem sido idealizados para causar o máximo de dor e o mínimo de sujeira”[23]. Ele escreve ainda:

O tradicional escrúpulo eclesiástico sobre derramamento de sangue permaneceu em vigor. Em consequência, instrumentos de ponta e de lâmina continuaram a ser evitados em favor do ecúleo, saca-unhas e outros aparelhos que só faziam correr sangue, por assim dizer, incidentalmente. As tenazes e outros brinquedos como estes eram sombrios. Rasgar a carne com tenazes era bastante sangrento. Se estivessem em brasa, porém, o metal aquecido cauterizava imediatamente o ferimento e estancava o fluxo de sangue. Sofismas desse tipo eram aplicados à duração e frequência da tortura.[24]

Não havia limites para a criatividade dos inquisidores em se tratando de torturas. Lea afirma que “tudo o que as depravadas imaginações dos inquisidores idealizavam acabava sendo sancionado”[25]. O Regulamento de 1561 prescrevia que “diante da diferença em força corporal e mental entre os homens, não se podem estabelecer regras certas, mas deixar ao critério dos juízes, governados pela lei, razão e consciência”[26]. Ou seja, os inquisidores poderiam inventar novos instrumentos, máquinas e métodos de tortura ao seu bel prazer.

Dentre os instrumentos de tortura criados pela imaginação sempre fértil dos inquisidores, podemos mencionar o cavalo-de-pau[27], o garrotilho nos dedos[28], os apetrechos de mutilação[29], a “tortura da cegonha”[30], o chicote de correntes[31], a “cócega” espanhola[32], o destroçador de seios[33], o esmagador de joelho[34], a forquilha[35], as “garras de gato”[36], o garrote[37], os instrumentos de contenção[38], os pesos[39] e muitos outros. Descrevê-los todos exigiria bastante trabalho e ultrapassaria os limites de escopo deste livro. Por isso, descrevi só os mais utilizados.

Quem quiser conferir uma descrição (com foto) de cada um dos referidos instrumentos de tortura da Inquisição, basta acessar o “Museu da Inquisição”, disponível nas notas de rodapé sobre cada um dos instrumentos citados. O museu, localizado em Belo Horizonte/MG, é uma idealização da Dra. Anita Novinsky, a maior pesquisadora do mundo sobre a Inquisição no Brasil, e conta com um excelente website bastante informativo e rico de conteúdo[40]. O museu tem uma réplica de cada um dos instrumentos de tortura usados pela Inquisição, o que é apenas um pequeno resquício do terror que assolou o mundo até poucos séculos.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Fonte: Lucas Banzoli