terça-feira, 22 de agosto de 2023

A Bíblia foi escrita por católicos e para católicos?



Um sofisma romanista dos mais repetidos pelos apologistas católicos no Brasil é a reprodução de uma frase tosca e nonsense proferida pelo padre Paulo Ricardo, que é considerado uma espécie de semideus por alguns católicos deste país. Ele disse em rede nacional aos telespectadores de uma TV católica que “a Bíblia foi feita por católicos e para católicos”.

Se uma frase ridícula como essa tivesse sido dita a pessoas cultas ou com ao menos um pedaço de cérebro na cabeça, ele teria sido alvo de tomates e zombaria por algo tão vergonhosamente falso e facilmente refutável por uma lógica elementar. Mas como isso foi dito por católicos e para católicos, não me surpreende que tenha ganhado tanta atenção. É impressionante o número de papistas que realmente acreditaram que Moisés, Davi, Salomão e outros escritores da Bíblia eram católicos romanos, escrevendo a outros católicos, quando ainda nem existia Cristianismo, quanto menos catolicismo.

Quem aplaude uma idiotice como essa deveria em primeiro lugar saber que 2/3 da Bíblia é Antigo Testamento, e 1/3 é Novo Testamento. Essa frase tosca levaria qualquer um a crer que os profetas do Antigo Testamento eram católicos, serviam a um magistério romano, iam às missas e estavam debaixo da autoridade de um papa. A não ser que para os papistas “Bíblia” signifique “apenas o Novo Testamento”, é isso o que deveríamos concluir. O que deveríamos supor de alguém que afirma algo assim? Que é louco? Que é leviano? Que é desvairado? Não. Que é somente o padre Paulo Ricardo.

Não cabe aqui ressaltarmos mais uma vez o que significa Igreja no conceito bíblico, ou o significado de católico nos primeiros séculos – coisas que já abordamos amplamente neste blog, refutando o mito de que o Novo Testamento foi escrito “por católicos” (romanos) ou “para católicos” (romanos). Vocês podem conferir uma lista aqui:


Em adição e em resposta àqueles que insistem em dizer que devemos à Igreja Romana a conservação da Bíblia, devemos observar que outras  igrejas  não administradas por Roma também tiveram função relevante na preservação e cópia dos  manuscritos, como a Ortodoxa e a Copta. Portanto, se a Igreja de Roma é a “verdadeira Igreja de Cristo” porque alguns romanos ajudaram na preservação e cópia dos manuscritos bíblicos, então a Igreja Ortodoxa e a Copta também seriam a “verdadeira Igreja de Cristo”, porque elas fizeram o mesmo. Mas essas igrejas ensinam várias doutrinas contrárias à Igreja Romana, e nenhum romano crê que elas sejam a verdadeira Igreja de Cristo. Este argumento, portanto, não prova nada. Tem selo de 100% de inutilidade.

E se esse argumento tivesse realmente procedência no sentido de provar que em função da preservação de manuscritos bíblicos signifique que tal vertente religiosa é a certa, então deveríamos antes de tudo voltarmos ao Judaísmo, pois 2/3 das Escrituras (referentes ao Antigo Testamento) foi preservado por judeus na antiguidade, e se não fosse pelas suas cópias não teríamos o que chamamos de “Bíblia” hoje (teríamos apenas o Novo Testamento). Mas os apologistas católicos soberbos, arrogantes e desnutridos de inteligência como o padre Paulo Ricardo desprezam completamente o papel exercido na preservação de manuscritos bíblicos por judeus e ortodoxos, atribuindo toda honra e glória somente à Igreja Romana, e automaticamente a elevando ao patamar de “única Igreja de Cristo” em detrimento de todas as demais.

Por fim, devemos ainda lembrar que o papel desempenhado pela Igreja Romana ao impedir o acesso à Bíblia pelo povo comum em língua vernácula foi muito maior do que o papel positivo desempenhado com a cópia de manuscritos. O Concílio de Tolosa (1229) mostra como eles tratavam com amor cristão aqueles que buscavam a leitura da Bíblia:

“Proibimos os leigos de possuírem o Velho e o Novo Testamento. Proibimos ainda mais severamente que estes livros sejam possuídos no vernáculo popular. As casas, os mais humildes lugares de esconderijo, e mesmo os retiros subterrâneos de homens condenados por possuírem as Escrituras devem ser inteiramente destruídos. Tais homens devem ser perseguidos e caçados nas florestas e cavernas, e qualquer que os abrigar será severamente punido”[1]

E mais uma vez devemos lembrar as proposições condenadas pelo papa Clemente XI:

70. Útil e necessário é em todo tempo, em todo lugar e para todo gênero de pessoas estudar e conhecer o espírito, a piedade e os mistérios da Sagrada Escritura.

81. A obscuridade santa da Palavra de Deus não é para os leigos razão de dispensar-se da sua leitura.

82. O dia do Senhor deve ser santificado pelos cristãos com piedosas leituras e, sobretudo, das Sagradas Escrituras. É coisa danosa querer retrair os cristãos desta leitura.

83. É ilusão querer convencer-se de que o conhecimento dos mistérios da religião não devem comunicar-se às mulheres pela leitura dos Livros Sagrados.

84. Arrebatar das mãos dos cristãos o Novo Testamento ou mantê-lo fechado, tirando-lhes o modo de entendê-lo, é fechar-lhes a boca de Cristo.

86. Arrebatar ao povo simples este consolo de unir a sua voz à voz de toda a Igreja, é uso contrário à prática apostólica e à intenção de Deus.

(Denzinger #1429-1434, 1436, 8 de Setembro de 1713)

Sim, a Igreja Romana “guardou” a Bíblia. Ela a guardou do povo, os mantendo por séculos nas trevas da ignorância.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

-Extraído do meu livro: “Em Defesa da Sola Scriptura” (com adaptações)

Por Cristo e por Seu Reino,

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