quinta-feira, 26 de junho de 2025

STF, Marco Civil da Internet e a Nova Censura em Nome do “Combate à Desinformação”


Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal (STF), guardião da Constituição, tem ultrapassado os limites de sua função jurídica para atuar como protagonista político em nome do que seus ministros classificam como “combate à desinformação” e “discurso de ódio”. No centro desse debate está o Marco Civil da Internet — uma legislação de 2014 que nasceu com o propósito de garantir a liberdade de expressão, a neutralidade da rede e a proteção à privacidade dos usuários —, mas que tem sido reinterpretada de forma preocupante por decisões da Suprema Corte.

Sob o pretexto de “proteger a democracia”, ministros vêm determinando a remoção de conteúdos, bloqueio de contas e até a imposição de censura prévia, sem o devido processo legal ou amplo direito de defesa. A lógica por trás dessas decisões é perigosamente subjetiva: qualquer manifestação crítica ao próprio Judiciário, à atuação do TSE ou a narrativas institucionais pode ser classificada como “fake news” ou “discurso de ódio”.

Não se trata de um fenômeno isolado. A retórica do “combate à desinformação” tem sido usada ao redor do mundo por governos autoritários como forma de calar vozes dissidentes. Termos vagos e fluidos como esses são instrumentos ideais para regimes que desejam controlar o discurso público e eliminar a oposição, pois permitem interpretações arbitrárias, adaptáveis ao gosto de quem detém o poder. Na Venezuela, na Nicarágua, na Rússia e na China, o “discurso de ódio” é frequentemente o rótulo dado à crítica política. E, cada vez mais, no Brasil, esse expediente começa a ser normalizado por aqueles que deveriam ser os primeiros a zelar pela liberdade de expressão.

Não se trata de negar que a desinformação exista ou que o ódio seja uma realidade digital preocupante. Mas quando juízes se tornam censores, quando decisões judiciais atropelam o devido processo legal, e quando a liberdade de expressão é tratada como uma ameaça em vez de um pilar da democracia, algo está gravemente errado.

O STF, ao adotar essa postura, fere não apenas o Marco Civil da Internet, mas os fundamentos constitucionais que jurou defender. Em uma democracia madura, o combate à mentira não pode ser feito pela supressão da verdade — ainda que incômoda. Não é papel de ministros do Supremo determinar o que pode ou não ser dito em uma sociedade plural. É o debate público, a imprensa livre e a cidadania consciente que devem definir os limites do aceitável, não a caneta de um magistrado investido de autoridade irrestrita.

Censura com verniz jurídico continua sendo censura. E quando ela parte do topo do Judiciário, o perigo para a democracia é ainda maior.

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