No panteão sumério de criaturas, Lamashtu é ruim por vontade própria. Sua vontade de provar da carne humana a fez ser expulsa dos céus pelo seu pai An. Depois disso, ela assombra a terra, tendo como principais vítimas mulheres grávidas e seus filhos. Presas fáceis para esta criatura.
Para os antigos sumérios e acadianos, Lamashtu é uma deidade que ameaça as mulheres durante o parto. Em sua antiga escrita, seu nome era mostrado em conjunto com o símbolo dingir usado para o termo “divindade”, indicando tratar-se de uma deusa ou semideusa, mesmo que por suas ações fosse também comparada a uma espécie de demônio. Na verdade, Dimme (seu nome em sumério) é a mais terrível de sua espécie. Sua história começa como filha do deus do céu acadiano Anu – equivalente ao sumério An. Contudo, o que diferencia Lamashtu de seus irmãos deuses era sua vontade em perpetrar atos maléficos, em vez de seguir as instruções divinas. Certa vez, Lamashtu clamou ao seu pai para que lhe permitisse matar os homens, especialmente mulheres grávidas e seus recém-nascidos para beber-lhes seu sangue e devorar sua carne.
Seu pai Anu renegou o pedido, mas por vontade própria, e pelo seu temperamento vil e perigoso, ela saiu de sua morada e seguiu a humanidade, buscando saciar seu desejo. Nesta época, as crianças recém-nascidas eram suas principais vítimas, sendo seu alimento sagrado após serem sequestradas de suas famílias. As mães e mulheres grávidas também não escapavam de sua presença. Sentindo-se sempre insaciada, Lamashtu passou a também perturbar o sono dos homens, trazendo pesadelos e tirando toda a sua energia vital durante o sono. No mundo físico, ela matava as vegetações, infestava rios e lagos com pragas sendo a mensageira de morte e doença. Depois que Anu soube dos atos de sua filha, ele a baniu para todo o sempre do reino dos deuses, proibindo a humanidade de criar templos em homenagem para a deidade exilada.
No entanto, isso não afastou seus sádicos atos. Dimme era capaz de sequestrar crianças recém-nascidas nas noites mais escuras, e usava seus ossos para se divertir, roendo-os durante o dia, já que a luz do sol lhe feria sua pele. Os antigos povos, vítimas de suas façanhas davam o seu nome como as “Sete Bruxas”, visto que após seu exílio, Lamashtu teve uma prole de sete criaturas de igual temperamento, destinadas a vagar pela terra com o intuito de beber o sangue dos homens. Nas placas produzidas pelos sumérios e acadianos que sobreviveram, é possível encontrar sua descrição nos mais diversos nomes, eufemismos visto que não se utilizava o termo Lamashtu. Em um de seus encantamentos, ela é mencionada como a “deusa torturadora de bebês”.
“Grande é a filha do Céu que tortura os bebês,
Sua mão é um líquido, seu abraço é a morte
Ela é cruel, furioso, irritado, predatória
Um corredor, um ladrão é a filha do Céu
Ela toca a barriga da mulher em trabalho de parto
Ela pega o bebê de mulheres grávidas
A filha do Céu é um dos deuses, seus irmãos
Sem seu próprio filho.
Sua cabeça é uma cabeça de leão
Seu corpo é o corpo de um burro
Ela ruge como um leão
Ela constantemente uiva como um cão-demônio.”
Um dos amuletos, produzido no primeiro milênio antes da Era Cristã destacavam objetos que deveriam ser usados como oferenda para Lamashtu. Um pente, um fuso e um alfinete, símbolos domésticos normalmente atribuídos ao feminino. Um animal também seria parte do ritual, sendo oferecido como alimento. Existe ainda uma arma, uma espécie de lança desenhada em seus amuletos, usada contra a criatura. Ao redor do amuleto, a escrita cuneiforme continha selos para aprisionar o demônio. Jamais era colocado o nome de Lamashtu, sendo endereçado a ela como “dama exaltada”. Um dos principais inimigos de Dimme era Pazuzu, também uma entidade demoníaca, responsável por cheias e doenças, mas que especialmente contra a deusa caída, era o protetor das mulheres grávidas e de suas crianças.
Dentro do espectro ritualístico para combater Lamashtu, uma proteção permanente contra sua força era a criação de colares, que deveriam ser pendurados em volta do pescoço, das mãos e dos pés das crianças, especialmente daqueles menores de quatro meses de idade. Em seu colar, um cilindro de argila detinha os sete nomes de Lamashtu, dando poder para exorcizar sua presença. Junto ao colar, outros símbolos são utilizados; na cabeceira da cama da criança deve ser colocado o símbolo do Sol, representação dos deuses, a lua crescente do deus Sin, a estrela de Ishtar, o disco solar de Samas e o selo de Amurru. A porta do quarto da criança deve ser protegida por ícones de cães de guarda, atribuindo inscrições a cada um deles, como “o Afugentador da Filha de Anu”, “o Que Fica na Vigília durante a Noite”, “o Que não falha em seu horário” e “Sin, aquele que é o Pastor dos Cães”. Seguindo-se de todas estas instruções, devem-se prescrever as palavras para que Lamashtu retorne para o submundo.
“Você não pode se aproximar da porta deste quarto, cuja trinca é a justiça, cuja vara é Anu e cujo porteiro é Papsukkal, e você não deve retornar”.
No entanto, pode a criança já estar sob os efeitos maléficos de Lamashtu, momento em que se deve pedir a força dos deuses acadianos para liberar a criança da “febre”. Nesse cenário, um ritual específico de exorcismo era realizado. Cria-se inicialmente uma figura de barro, onde a entidade será colocada como prisioneira. Uma oferenda de pão deve ser colocada à frente da figura, e água – especialmente barrenta – deve ser derramada. Um cachorro negro, símbolo representativo de Dimme deve ser feito de guardião e carregar a estátua para onde for. Em seguida, a estátua deve ser pega e colocada sobre a cabeça da criança por três dias, e um coração de um porco deve ser retirado e colocado na boca do enfermo. O encantamento deve ser recitado três vezes ao dia, além de mais oferendas alimentares, como óleos, pães, gordura de porco e carne. No anoitecer do terceiro dia, a estátua deve ser retirada e enterrada perto de uma parede. Feito isso, a criança não estará mais sob a influência de Lamashtu ou então terá falecido. Os dizeres para que o exorcismo aconteça é o seguinte.
“Lamashtu, filha de Anu,
A que chamou os grandes deuses pelo nome,
Innin, brava, senhora da cabeça negra,
Nos céus jure, seja conjurada na terra!
Eu tive você como um cão negro
E este como seu adversário demoníaco.
Eu derramei bem a água para você:
E agora te ordeno; sai! Levanta-te!
Retire-se e livre-se do corpo desta criança,
Que é o filho do seu Deus!
Eu te conjurei com Anun e Antu,
idem com Enlil e Ninlil,
idem com Marduk e Sarpanit.
Eu conjurei você com os grandes deuses
Os deuses do céu e da terra:
Ai de ti, quando você voltar para esta casa.
Ai de ti, se descer para essa criança!"
Sumérios e acadianos dividem uma mitologia em comum, e por isso é comum encontrar nomes distintos nestas duas civilizações para uma mesma deidade. Em termos históricos, os sumérios eram a primeira civilização a habitar a região entre os rios Tigre e Eufrates, sendo seguido pelos acadianos e seu primeiro império multi-étnico. Posteriormente, teriam influencia destas duas civilizações os assírios e os babilônicos.
Lamashtu tem sua comparação para com Hécate dos gregos como também a Lilith dos babilônicos, sendo esta personagem também a aparecer na Torah judaica como a primeira mulher de Adão. Selo representativo de nome dingir. Suas referências também levam a acreditar que Lamashtu seria a primeira manifestação vampiresca na mitologia suméria, visto que é comum em textos encontrados sua predileção por “beber sangue” e por deter problemas com o sol “que queimava sua pele”.
Fonte: Mundo VH
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