segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

A Igreja Católica criou as universidades!

 



O principal argumento dos papistas que seguem a linha de Thomas Woods na visão bitolada, falsa e descarada de que “a Igreja Católica construiu a civilização ocidental” é o das universidades. “A Igreja Católica criou as universidades!!!”, grita o romanista exaltado, tentando provar que se não fosse pela Igreja Católica estaríamos até hoje sem universidades...

Em primeiro lugar, a própria afirmação de que “A Igreja Católica criou as universidades” já é falsa em si mesma. A primeira universidade do mundo foi a Universidade al Quaraouiyine, do Marrocos, criada em 859, reconhecida inclusive pelo famoso Guinness Book como sendo a primeira. Depois veio a Universidade de al-Azhar, do Cairo, criada também pelos muçulmanos, em 988. Só mais de duzentos anos depois da primeira, e de cem em relação à segunda, é que surge a primeira universidade católica, a de Bolonha, em 1088. E escolas já existiam desde a Grécia antiga, passando pela Roma antiga, Índia antiga, China antiga e pelo Império Bizantino – desde muito antes dos católicos romanos pensarem em criar alguma coisa.

Se por um lado a Igreja Católica tem seu mérito em ser uma das primeiras a criar universidades, por outro lado é preciso considerar a qualidade do ensino nelas difundido. Usarei neste estudo como fonte o que escreve um historiador católico do século passado, Ivan Lins, autor do livro “A Idade Média – A Cavalaria e as Cruzadas” (já falei dele em meu artigo anterior), que por sua vez também cita como referência vários autores católicos também reconhecidos, em especial o abade francês Claude Fleury, um padre e historiador católico do século XVII. Não citarei nenhum historiador protestante para não me acusarem de ser tendencioso.

É desta forma que Lins descreve a qualidade do ensino presente nestas universidades católicas que são hoje usadas pelos apologistas católicos para a ridícula alegação de que “a Igreja Católica construiu a civilização”:


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Representava o trivium o ensino primário e secundário da Idade Média, contentando-se com ele os que dispunham de aptidões mais literárias do que científicas. Compreendia a gramática, a retórica e a lógica ou dialética. Esta última, na apreciação de Latino Coelho, “ensinava a disputar sobre a verdade, sem patentear os caminhos de a saber – ginástica intelectual, que adestrava a inteligência, sem poder servir à higiene do pensamento – esgrima pueril, que podia conceder triunfos à vaidade, mas não podia aparelhar vitórias à ciência”.

Quanto à retórica, antes conduzia a estragar do que a ornar o estilo. Consistia, como salienta o padre Fleury, “em só falar por metáforas ou outras figuras estudadas, evitando, com cuidado, explicar simples e naturalmente o pensamento, o que torna os escritos dos escolásticos de mui difícil inteligência”[1]. O que de mais gostavam era empregar frases das Escrituras, não para autorizarem seus pensamentos, servindo-lhes de provas (que é o uso legítimo das citações), mas para exprimir coisas mais banais. Assim, numa história, em vez de dizerem simplesmente “fulano morreu”, diziam: “fulano juntou-se a seus pais”; ou: “entrou no caminho de toda carne”.

No que concerne à gramática, ainda hoje pululam os indivíduos que pretendem ensinar-nos, dogmaticamente, “uma arte resultante de um surto universal, enquanto a própria barbárie e impropriedade da maior parte dos termos de que se servem bastam para caracterizar a inanidade de suas pretensões sobre a palavra”[2]. Se isto é o que acontece com certos gramáticos de nossos dias, que se daria com os da Idade Média? A este respeito assim discorre o padre Fleury:

            “Só se estudava a gramática por causa do latim, ou, antes, aprendiam-se ambos concomitantemente. Mas, em vez de ser, como nos tempos modernos, o latim mais puro possível, contentavam-se todos, então, com esse latim grosseiro, cujos restos ainda se encontravam, no século XVII, nas escolas de filosofia e teologia. A linguagem do século XIII e dos dois seguintes era cheia de palavras desviadas de seu verdadeiro sentido, ou formadas com termos das línguas vulgares, tirados dos idiomas germânicos, como guerra e trégua, de sorte que os que só conhecem o bom latim, não compreendem o latim medieval, a não ser fazendo dele um estudo especial, porquanto ninguém pode esperar encontrar a palavra miles para designar um cavaleiro bellum uma batalha.
            Pelo motivo contrário, não compreendiam os sábios desses tempos, senão pela metade, os autores da boa latinidade, e não só os profanos, dos quais talvez pudessem privar-se, mas os próprios Padres da Igreja, São Cipriano, Santo Hilário, São Jerônimo e Santo Agostinho, e é por isso que, ao lê-los, não lhes apreendiam o pensamento”[3]

(LINS, Ivan. A Idade Média – A Cavalaria e as Cruzadas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Pan-Americana, 1944, pp. 209-211)


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Ainda sobre o ensino da lógica nas universidades católicas medievais, diz o padre Fleury:

“Deixara a lógica de ser a arte de raciocinar com justeza e buscar a verdade pelas vias mais seguras: era, ao contrário, um exercício de disputar e sutilizar ao infinito. O objetivo dos que a ensinavam era menos instruir seus alunos do que fazerem-se admirar por eles, embaraçando os adversários com questões capciosas, tal qual os antigos sofistas”[4]

No artigo anterior, já havia exposto de que forma que os estudantes da Universidade de Paris (padres, em sua maioria) eram depravados. Jacques de Vitry, bispo de Tusculum e contemporâneo da época, escreveu sobre isso:

“Os estudantes, clérigos em sua maior parte, não consideravam pecado a simples fornicação. As cortesãs detinham, nas ruas, os clérigos que passavam, afim de levá-los para suas casas, como se o fizessem à força. Se eles se recusavam, eram acusados de desordens ainda mais criminosas, sendo honroso ter várias concubinas. Numa mesma casa ficavam, em cima, escolas, e, embaixo, bordeis. Os clérigos, que mais gastavam, eram os mais estimados, sendo tidos como avaros, hipócritas ou supersticiosos os que viviam sobriamente, praticando a piedade”[5]

Lins destaca que, na opinião de Fleury, foi justamente o ensino tosco e nada espiritual aprendido nessa universidade que fez com que os padres se tornassem mais imorais:

“Consagra o padre Fleury à escolástica um de seus admiráveis Discursos Sobre a História Eclesiástica, e, depois de analisá-la a fundo, chega a atribuir a corrupção de costumes dos estudantes da Universidade de Paris, a que já me referi, às vãs sutilezas e às questões frívolas e inúteis, que constituíam o campo predileto a que se consagrava a grande massa dos escolásticos, os quais chegavam a sustentar que os adultérios, incestos, etc, quando cometidos por caridade, não constituem pecados”[6]

Sobre o ensino de geografia dessas universidades, Lins escreve:

“Entre as inúmeras lendas geográficas, piamente aceitas, figurava a de ferver o Oceano ao sul da África, e de haver um povo, perto do Ganges, que se alimentava do perfume de certas flores”[7]

Sobre o ensino de história, ele diz:

“Quanto à história, era também cheia de ficções e fábulas, pois os historiadores medievais se impressionavam mais com o maravilhoso do que com o verdadeiro. Aceitavam tudo quanto achavam escrito – ensina o padre Fleury. Sem crítica, sem discernimento, sem examinar a época e a autoridade dos escritores, tudo lhes parecia igualmente bom. Assim, a fábula de Francus, filho de Heitor, e dos francos vindos de Troia, foi adotada, até fins do século XVI, por todos os historiadores franceses, que faziam também a história da Espanha remontar até Jafé e a da Grã-Bretanha até Bruto. Cada historiador empreendia uma história geral, desde a criação do mundo até a sua época, e aí amontoava, sem critério, tudo quanto encontrava nos livros que lhe caíam nas mãos”[8]

E também:

“A ignorância quase total da história antiga fazia com que os primeiros restaurados do direito romano incidissem em graves erros ao comentar as Pandectas. Muitos dentre eles derivavam de Tibério o nome do rio Tigre, supunham que Ulpiano e Justiniano tinham vivivo antes da era vulgar e aceitavam que houvesse Papiniano sido condenado à morte por Marco Antônio. A erros tão grosseiros não escapavam nem mesmo os maiores glosadores como Irnério, Placentino, Azo e Acurso”[9]

E sobre a medicina:

“Entre os remédios reputados estava a triaga, formada de inúmeras substâncias heterogêneas, inclusive o veneno de víbora, e que curava mordeduras de cobras e uma infinidade de mazelas. Para dar uma ideia do que fosse a triaga, costumava Laet compará-la com as Academias: ‘entram nelas ingredientes formidáveis, mas, finalmente, o resultado é benéfico...’[10]. Eis como, segundo Sidrac ou O Tesouro das Ciências, um dos livros de maior voga na Idade Média, havendo chegado até a Renascença, se devem tratar as hemorragias nasais: com dejetos de suínos ainda quente e esterco de camelo batido. Sustenta o mesmo livro ser bom ter vermes intestinais, porquanto se nutrem dos venenos que se encontram no organismo, eliminando-os e favorecendo, assim, a saúde”[11]

Foi todo este conjunto de ensino pueril e pitoresco que fez com que o cético David Hume dissesse que “esses milhares de jovens só aprendiam, nas universidades, péssimo latim e uma lógica ainda mais detestável”[12].

E isso era o conhecimento ensinado nas universidades, para os da mais alta elite. Se os “intelectuais” eram de um nível tão rude e grosseiro, imagine como era o povo comum da época. Lins discorreu sobre esses também:

            “Esses os conhecimentos dos letrados medievais, isto é, da generalidade dos clérigos que frequentavam as Universidades. Quanto aos homens do povo e aos próprios barões, eram, muitas vezes, analfabetos, não sabendo nem ao menos traçar o próprio nome, que substituíam por uma cruz, dando, assim, origem à palavra assinar, a qual primitivamente significava traçar uma cruz em lugar do nome. Entre o próprio clero, nos primeiros séculos da Idade Média, muitos eram os bispos que deixavam de apor o seu nome aos cânones dos concílios, em que tomavam parte, visto não saberem escrever[13].
            Ainda no século XIV, era comum encontrarem-se grandes senhores que não sabiam ler, entre os quais Duguesclin, que chegou a condestável da França[14]. É que, na Idade Média, se fazia perfeitamente a diferença entre a instrução e os dotes intrínsecos de retidão, sagacidade e mesmo coerência, qualidades independentes de qualquer instrução, resultando o seu cultivo muito mais da vida prática do que de qualquer aprendizado teórico. Deu, contudo, o analfabetismo medieval lugar a muitos abusos, inevitáveis onde quer que campeie o analfabetismo, como, infelizmente, o verificamos, todos os dias, entre nós”[15]

Em resumo, o ensino católico nas universidades medievais:

• Ensinava lógica deturpando a lógica.

• Ensinava história deturpando a história.

• Ensinava geografia deturpando a geografia.

• Ensinava ciências deturpando a ciência.

• Ensinava o latim deturpando o latim.

• Em vez de conduzir à santificação, conduzia ao máximo da imoralidade.

• Era elitizado, deixando a grande maioria do povo no analfabetismo.

Podemos resumir todo o ensino das universidades católicas com uma só palavra: lixo.

Mas se o ensino católico nas universidades era tão desprezível, como ele evoluiu até chegar aos dias de hoje? O principal fenômeno que deu origem a essa revolução chama-se: Reforma Protestante. No vídeo abaixo, o cientista político Alberto Carlos Almeida explica rapidamente como este processo se deu:


Foi a Reforma Protestante que colocou a Bíblia nas mãos do povo, enquanto nas terras católicas a Igreja proibia a leitura da Bíblia em língua vulgar (veja mais sobre isso aqui e aqui). Com o povão tendo acesso à Bíblia, o índice de analfabetismo rapidamente foi abaixando, e, junto com ele, o desenvolvimento da nação que era guiada pela tradição protestante. É essa a razão pela qual todos os sete países com maior IDH do mundo atual são países de tradição protestante (escrevi sobre isso neste artigo). Em contrapartida, os países católicos em geral sofreram com um desenvolvimento bem mais lento, que ainda se reflete hoje em dia na maioria das nações.

Lorraine Boettner ainda destacou neste artigo que os países protestantes se demonstraram através dos séculos muito mais fortes contra a ameaça comunista e fascista do que os países católicos, que foram engolidos por ambos. Mas para mostrar este contraste nem é preciso desenvolver um texto gigante: basta comparar o desenvolvimento dos Estados Unidos (fundado por protestantes da Inglaterra) com o restante da América (fundado por católicos da Espanha e de Portugal). Enquanto os EUA são hoje a nação mais poderosa do mundo, os países católicos sofrem na miséria ou no sub-desenvolvimento do terceiro mundo. Coincidência? Sim, pro católico, é tudo coincidência!

O contraste é tão gritante entre uma realidade e outra, que mesmo com a Espanha e com Portugal extraindo até o talo os recursos naturais da América, com exploração de indígenas e até extermínio dos mesmos, ainda assim ficam muito atrás dos países europeus desenvolvidos (=protestantes). Ou seja: séculos de riqueza fácil mediante exploração da terra alheia não foram o suficiente para compensar o progresso trazido pelo protestantismo mediante uma cultura mais elevada.

A Reforma também foi fundamental na área da ciência, pois, como é bastante notório, a ciência floresceu muito mais nos países protestantes do que nos católicos. De acordo com Augustus Nicodemus, 51 dos 53 cientistas que nos deram a ciência moderna eram protestantes[16]. Sem o braço forte e a supervisão de um ditador autoritarista megalomaníaco, os cientistas se sentiam muito mais à vontade realizando e divulgando seus trabalhos nos países protestantes. Enquanto um Roger Bacon surgindo das universidades católicas era a exceção, um Isaac Newton surgindo de uma universidade protestante era a regra.

Podemos comparar aos dias de hoje: nos vestibulares mais concorridos, em geral 90% dos que passam vieram de colégios mais respeitáveis, especialmente do ensino privado, enquanto em média 10% dos que passam vieram de escolas públicas em situações precárias e com péssima educação. Ou seja: a qualidade do ensino não é tudo o que conta, porque depende muito do aluno também. Um gênio consegue passar em ambas. Da mesma forma, embora surgissem cientistas católicos de grande renome, eram das universidades protestantes que saía a grande maioria deles, consequencia natural de um ensino com mais qualidade.

Em suma, foi o protestantismo que nos deu ensino de qualidade, que deu luz aos melhores cientistas, que derrotou as grandes superstições, que levou o aluno a exaltar a Deus por meio do estudo, que abriu as portas das universidades para as pessoas mais simples, que colocou a Bíblia nas mãos do povo, que superou o analfabetismo, que gerou prosperidade e desenvolvimento, que valorizou o ser humano. Sim, a Igreja Católica tem seus méritos; afinal, ensino ruim ainda é melhor do que nada. No entanto, os protestantes fizeram exatamente aquilo que se propõem: Reforma. O que está ruim é reparado, o que está bom melhorado, o que está inacabado é aperfeiçoado. Nada diferente do que Jesus disse:

“Pelos seus frutos os conhecereis” (Mateus 7:20)

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Escrito por Lucas Banzoli (www.facebook.com/lucasbanzoli1)

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